CAFE, DE SABA AO PARA
Não pretendendo fazer injustiça
Ou cometer pecado da preguiça,
Há que dizer que a lenda mais sabida,
Sobre as origens do café bebida,
Tem como palco o altiplano etíope.
Actuam Pastorzinho e Patrão Míope.
Também uma senhora muito braba
Representa: a senhora dona Cabra,
Cá, entre nós, figura capital,
Tanto quanto Pedro Álvares Cabral
Na descoberta do nosso Brasil!
Voltando-se à tarefa pastoril,
Menino magrinho estava cansado
De esfalfar-se a correr, apressado,
Atrás das cabrinhas que, enlouquecidas,
Não o deixavam vencer nas corridas.
Depois que elas comiam certa fruta
Dificultava demais a labuta
Do franzino menininho pastor
Suado, sob o sol abrasador.
Muitas, muitas cabras, ele perdia.
Tomava surra todo santo dia.
Só não apanhava mais porque corria.
Pernas, para que vos quero? – Sumia...
O patrão, cada vez mais irritado:
Que fazes, ó, rapaz apatetado?
Não tenho culpa. De quem? É das frutas.
Tornam as cabras muito mais astutas!
O Velho, que era flor de curioso.
Bisbilhotar de tudo era seu gozo.
Queria vencer o mal da velhice,
Inventar filtro que restituísse
O vigor da juventude perdida:
Um pó, uma poção, uma bebida.
Descobriria ou não o elixir?
Já chegara a pensar em desistir...
Mas foi, com esperança, até a montanha.
Veja só, que frutinha tão estranha.
As cabras as comem: não é venenosa,
Tem bom perfume, ui, que saborosa!
E o Velho Míope comeu, tanto comeu,
Que muita sede a frutinha lhe deu.
Triturou algumas, fogo acendeu.
Depois de torradas, ele as ferveu
Na água mais pura da fonte mais pura
Para um café gostoso, sem mistura.
Sentiu revigorar a sua força,
Pulou, saltou, correu como uma corça.
Ficou tão feliz, que até deu aumento
De ordenado. Com que contentamento
O menino Pastor viu que, eufórico,
O Míope não era um ser pré-histórico.
Se o velho não ganhou a juventude,
No café, encontrou a plenitude
Do viver com muito mais alegria.
Envelhecer não mais o afligia.
Anónimos, o Velho e o Menino?
Sim, o nome deles não declino...
Mas, informo, muito bem baseado,
Que o café, por lá, teve baptizado.
Café, bebida de merecimento,
Tem até certidão de nascimento!
Nome? Não é objecto de questão.
Não nasceu na China ou Indostão,
Como a velha mosca do Machado
De berço natal sempre duvidado.
Nome? O nome de sua procedência
Recorda em várias línguas, com fluência,
Ser natural de Cafa, na Abissínia,
Terra de tom roxo de glicínia...
Terra de quem encantou Salomão,
A rainha de Sabá, meu irmão...
E vale perguntar: Sabe-se lá
Se a formosa rainha de Sabá?...
Bem, chega de filtrar no coador
Tanta história e lenda, meu senhor.
Verdade é que, do reino de Sabá,
Café resolveu parar no Pará.
Parou no Pará, tomou açaí
E ficou e até falou tupi.
Por ter nascido perto de Cafa,
Ele, seu nome Café autografa
Nesta história que, por ora, termina
Depois de tão prazerosa faína
Em que, em golpe de abracadabra,
Se vê o quanto vale um pé de cabra!
Edison Nequete
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